quarta-feira, 1 de abril de 2009

Tema de exame para 5 Dan


Prometi que haveria de publicar a minha prova escrita para o exame de 5 Dan. Aqui está parte dela, o meu tema livre. Se vos poder ser útil ficarei muito contente.

José Araújo


- Como tema livre resolvi escrever sobre a verdadeira força. Não é um tema fácil para uma cultura Ocidental habituada, através dos séculos, a acreditar em cultos e divindades que são os veios condutores da nossa passagem terrena, e que acredita na vida para além da morte.
Talvez devido a esse facto, de delegarmos nas divindades todos os nossos sucessos ou insucessos e entregarmos o nosso destino nessas mesmas divindades, esquecemos um pouco os nossos próprios potenciais. Recordo agora um dos factos que fazia parte do dia-a-dia na antiga civilização Egípcia. Quando alguém era apanhado por um crocodilo nas margens do rio Nilo e desaparecia era a vontade do Deus Rá que assim o determinava, se por qualquer acaso a pessoa escapava, também tinha sido vontade de Rá. Em ambos os casos ninguém ajudava a pessoa em perigo, porque era vontade dos Deuses que assim acontece-se.
Quantas vezes a humanidade é confrontada com situações de injustiça da mais variada espécie, e não tem recurso para alterar esse estado de coisas, ou passa ao lado a assobiar sentindo que não tem responsabilidade nenhuma sobre o que se está a passar, ou porque não tem coragem ou força suficientes para se fazer ouvir ou demonstrar aos outros o quanto estão errados.
O que é a verdadeira força?
As mais variadas respostas poderão ser dadas a esta pergunta, mas possivelmente poucas pessoas irão estabelecer a ligação da verdadeira força com elas próprias, com algo que existe no seu interior e não pode ser medido, pesado ou visto. Estamos a falar de algo bastante mais profundo, algo que bem aplicado pode alterar muita coisa, ou pelo menos ajudar a que isso aconteça, no estado actual em que o mundo se encontra.
Muitos de nós já fomos confrontados com situações de injustiça, quer directamente ou porque ouvimos comentários relacionados com alguém que sofreu essas injustiças ou maus-tratos físicos ou morais. De todas essas vezes que vimos ou ouvimos algo, quantas vezes gostaríamos de ter reagido e não o fizemos por manifesta falta de coragem, porque pensamos que ninguém iria escutar o que tínhamos para dizer, ou em ultimo caso não sentimos ter a força suficiente para o fazer.


Em qualquer das circunstâncias apresentadas para não intervirmos, um aspecto fundamental sobressai, “Não nos respeitamos a nós próprios”. Existe um pensamento que diz:” Para que os outros te respeitem, primeiro tens que te respeitar a ti próprio”.
Mas como pode uma pessoa respeitar-se a si própria?
Começando por ter a coragem de dizer directamente o que pensa estar errado, ou que vê como errado ou não gosta. Tudo isto requer por parte do indivíduo autoconfiança, sentido de justiça, força de viver e é isto a “verdadeira força” .
A verdadeira força não se refere a força musculada, ou força para se defender ou derrotar um adversário. Está antes relacionado com algo que vem do interior profundo de cada pessoa, algo que nos faz superar obstáculos por mais diferentes que sejam, algo que tem muito a ver com aquilo que normalmente se chama de “força interior” a verdadeira força.
Podemos ter muita de vontade e desejar muito ajudar as pessoas que nos rodeiam, mas se estivermos fracos, muito dificilmente o conseguiremos fazer. Para que uma pessoa se torne forte não tem nem deve centralizar a sua atenção só no fortalecimento do corpo, mas tem também, paralelamente, que desenvolver o seu espírito criando condições para que ao primeiro contratempo não desanime e a sua atitude vacile.
O Shorinji Kempo, através da sua prática, possibilita-nos o ganho de confiança e felicidade que podemos propagar aos outros, criando assim uma cadeia de entreajuda com capacidade suficiente para confrontar as injustiças na sociedade.
O propósito da prática de Shorinji Kempo é tornar as pessoas fortes quer física quer mentalmente, contudo, quando praticamos não nos devemos esquecer que a nossa atenção ou objectivos não podem estar só centralizados no espírito de competição, nem nos devemos tornar obsessivos em aprender cada vez mais técnicas para mais facilmente derrotar adversários. Se temos como único objectivo derrotar adversários, então porque treinar tão intensamente combate sem armas, quando sabemos existirem um sem número de hipóteses por certo muito mais fáceis de o fazer, utilizando um qualquer tipo de arma.



O grande objectivo do ensino técnico do Shorinji Kempo é adquirir-mos confiança através do nosso auto-conhecimento, confiança que nos proporcionará protecção sem termos de recorrer ao uso qualquer tipo de arma para neutralizar um adversário. Neste capítulo é importante ter em consideração que a parte da prática física foi um meio encontrado por Kaiso So Doshin para despertar a atenção das pessoas, e assim mais facilmente poder comunicar com essas mesmas pessoas e transmitir-lhes de seguida as suas mensagens.

Em certos momentos da nossa vida somos levados a pensar que não vamos ser capazes de cumprir ou dar seguimento a um projecto ou objectivo, por razões que nos são absolutamente estranhas. Outras vezes poderemos ter tendência para ficar apáticos e ver as coisas a desenrolarem-se á nossa volta sem que tenhamos qualquer tipo de reacção que nos leve para além desse marasmo de acções ou atitudes, isto é contudo uma forma errada não só de encarar a vida, como de vive-la. Qualquer ser humano não é só responsável pela sua felicidade, também tem uma quota-parte no bem-estar e felicidade dos outros que o rodeiam, família, amigos, vizinhos enfim a sociedade onde está inserido e da qual faz parte integrante Assim sendo não pode nem deve haver sentimentos derrotistas. Suponhamos que de certa maneira fomos vencidos por um adversário, isso não será caso para pensar que somos uns falhados ou inúteis. Devemos tirar as consequentes ilações do nosso acto ou derrota, e nunca nos sentir-mos como verdadeiros derrotados, porque só assim essa derrota não será uma verdadeira derrota.
Durante a nossa vida por certo cometeremos erros ou não, mas a nossa qualidade como seres humanos não é determinada por esses factores. Por certo não haveria pessoas de bom coração ou com bons princípios se fosse esse o factor determinante para avaliação do ser humano, ou se consegue erguer-se depois disto ou não. Como se pode concluir a atitude mental da pessoa perante a adversidade é fundamental para que ela possa continuar o seu caminho. Se pensar sobre si mesmo ser um inútil, então esta será a sua verdadeira derrota. Para vivermos uma vida equilibrada e com intensidade, é importante que o nosso estado mental adquira uma auto-confiança (não confundir auto-confiança com presunção) realista, e não esquecer que só a mente não é suficiente para levar a cabo os nossos objectivos.

O corpo também tem que acompanhar esse desenvolvimento, lembrando um provérbio muito antigo que diz “Corpo são em mente sã”, e que é perfeitamente aplicável na prática do Shorinji Kempo.
Como referi no início deste texto, é muito comum nas sociedades Ocidentais responsabilizar as diferentes divindades pelas coisas boas ou más que nos acontecem. De certa forma estamos a sob valorizar a pessoa e o que de bom ou mau ela tem. Por vezes a barreira existente entre o real e o místico gera alguma confusão e somos levados a esquecer que as atitudes das pessoas, na generalidade são fruto da sua formação e carácter.
Cada pessoa tem apenas uma vida para viver, e deve desfrutá-la bem e com sentimento de dignidade. Este sentimento de dignidade surge, ou nasce, quando a pessoa tem a coragem de chamar a si a responsabilidade de dizer que discorda com qualquer coisa quando vê que essa mesma coisa está errada, e tem a necessária coragem para repor a verdade ou justiça dos factos. Tudo isto requer uma forte iniciativa e uma grande fé na sua própria potencialidade, tudo isto requer confiança.
Possuir a verdadeira força, significa possuir confiança e coragem, significa possuir algo que não pode ser comprado com dinheiro ou fiscalizado por qualquer autoridade, e que uma vez adquiridas pelo indivíduo estão aptas a responderam eficazmente e sempre a tempo, quando para isso solicitadas. Mais do que o anteriormente enumerado, significa interagir não somente no que lhe diz directamente respeito, mas também agir em prol da felicidade e bem-estar da comunidade que o rodeia, família, amigos sociedade em geral.
Como remate final gostaria de evidenciar a seguinte frase, que penso aglutinar todo o pensamento descrito neste texto:
“ Em mim eu encontro a força”.
Próximamente darei a conhecer o tema obrigatório.(Já têm muito que ler)

4 comentários:

  1. Mestre,

    Obrigado por partilhar o seu texto.

    Extremamente interessante.

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  2. Cabe a cada um de nós encontrarmos a nossa verdadeira força... Só assim poderemos tornar-nos melhores e caminhar no sentido de tornar este mundo, também, um pouco melhor!

    Sem dúvida, um texto cheio de significado e interesse!

    Parabéns, Mestre!

    Bjs

    Rita Catita

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  3. Gassho Mestre!

    Já Confúcio dizia: " O verdadeiro guerreiro é aquele que se vence a si próprio" e nesta citação encontro uma das maiores verdades, pela qual me procuro seguir. Como o Mestre diz, frequentemente atribuímos a causa de determinados efeitos a aspectos exteriores às pessoas, quando no fundo são elas que os realizam... mesmo quando não os realizam! É fácil esquecermo-nos que por vezes não fazer nada é apenas mais uma forma de fazer alguma coisa, como por exemplo não ajudar alguém que precisa. Ao não ajudar esse alguém, estou a fazer com que ele não melhore a sua condição. Por vezes, penso que também não actuamos com medo do falharmos e, outra vez ao encontro do que o Mestre diz, o falhar actua como um espelho que nos diz se estamos bem ou mal preparados para as mais variadas situações. Não "olhando" para esse "espelho", também não nos sentiremos diminuídos por sabermos a real medida da nossa "verdadeira força" face a outros.
    Outra coisa muito interessante que o Mestre diz e que me fez ver as coisas sobre outro prisma, é que fala-se muito em primeiro trabalharmos para a nossa felicidade para depois ajudarmos os outros. Na verdade, no filme "A procura da felicidade" é questionado se a Felicidade é realmente algo atingível ou se o real prazer está na sua procura, por sabermos que ela é na verdade impossível de alcançar enquanto estado permanente. Se assim for, então fará todo o sentido trabalharmos para a felicidade dos outros, ao mesmo tempo que trabalhamos para a nossa e eu acredito muito mais nisto. Quantos de nós já não ficaram mais felizes com algo que tenho acontecido a alguém que nos é querido do que a nós próprios? E mais ainda se soubermos que participámos nisso? É no explorar de todas as situações que penso podermos encontrar e desenvolver a nossa "verdadeira força" e o texto do Mestre só me ajudou a clarificar algumas das coisas em que já tentava acreditar.

    Não vejo problema em acreditarmos que há algo mais a ajudar-nos (porque acho que também é um pouco arrogante da nossa parte pensarmos que tudo o que existe actualmente é por nossa causa) mas não podemos sobretudo responsabilizar outras "entidades" pelo que nós (não) fazemos. Se queremos melhor, trabalhemos para isso, desenvolvendo a nossa "verdadeira força", expressando-a através do que quer que seja que nos preencha... seja praticando artes marciais, seja trabalhando, seja partilhando amizades e experiências... seja vivendo a vida "Metade para mim e metade para os outros".

    Parabéns pelo texto mas sobretudo Obrigado pela partilha e possibilidade de bebermos das suas reflexões Mestre Araújo!

    Abraço,
    João

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  4. E dúvidas houvessem nas mentes de quem questiona porque praticamos Shorinji Kempo, ao lerem este texto dissipavam-se. É por isto.

    Sempre assim Mestre, sempre assim.
    Catarina

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